ERRADICAÇÃO DO SARAMPO - UM PEQUENO ESTUDO DESCRITIVO-OBSERVACIONAL

Recentemente tem-se assistido a um ressurgimento dos casos/surtos de Sarampo um pouco por toda a Europa, mesmo em locais/Países aonde está já estabelecida há vários anos a imunidade de grupo (taxa de cobertura vacinal> 95%) - 32.000 casos, 27 casos de encefalite e 8 óbitos notificados (Reino Unido, Alemanha, França, Espanha...);

Este trabalho insere-se no contexto epidemiológico atual - recente proposta meta da OMS de Erradicação do Sarampo na Europa para 2015 e o Programa Nacional para a Erradicação do Sarampo da DGS no ano passado. Apesar de na nossa área geográfica (e no nosso País) a cobertura vacinal efetivamente cumprida ser bastante alta - ACeS Porto Oriental: 99% em 1998; 98.5% em 2005 - a vacinação/imunização dos adultos pode estar subestimada especialmente pela ausência de inscrição nos serviços de saúde mas também devido à exclusão incorreta de utentes das listas de vacinação. Ainda, fatores como lacunas nos registos, falta de informação/baixa adesão e o recente aumento de emigração e turismo na cidade do Porto podem ter algum papel importante nesta matéria.

Os objetivos do presente trabalho são: contribuir para a erradicação do sarampo; conhecer o estado vacinal/imunidade para a doença da população nascida entre 1974-1999 do ACeS Porto Oriental; relembrar aos profissionais de saúde do custo-efetividade da vacinação e da sua importância para a saúde; relembrar as medidas que têm de continuar a ser aplicadas de maneira a garantir imunidade de grupo e prevenção de novos casos a partir de um importado.

Utilizou-se o SINUS para a pesquisa de todos os registos vacinais nas coortes, desde 1974 a 1999 (inclusive) de utentes pertencentes às unidades do ACeS Porto Oriental; Para a obtenção de dados nacionais utilizou-se informação do site da Direção Geral de Saúde (DGS).


Gráfico 1: Taxa de cobertura vacinal da VAS no ACeS Porto Oriental 1974-1986


Gráfico 2: Taxa de cobertura vacinal da VASPR no ACeS Porto Oriental 1987-1999

Comentários e Conclusões

 Pela análise dos gráficos podemos constatar uma baixa taxa de cobertura vacinal entre 1974 e 1978 apesar do início da campanha ter sido em 1974. Estes valores deveram-se, provavelmente, à baixa adesão/falta de informação e/ou recursos; o facto de já estarem imunizados (nesta época 80-90% da população estaria imunizada para a doença a partir dos 15 anos em virtude de já a ter contraído) e/ou devido a registo deficiente desses atos de saúde.                                    

Houve um período de franco crescimento, com aumento de 12% ao ano, de 1978 a 1981. As razões para este aumento podem dever-se a inúmeros fatores como maior eficácia na aplicação das campanhas de vacinação, melhoria dos recursos e provavelmente a reestruturação do SNS em 1978 também terá desempenhado papel importante.

 A partir de então houve uma tendência crescente gradual com valores próximos de 80% em 1988/1989 e posterior quase estabilização até 1995, quando é atingida a imunidade de grupo.   

É de referir uma maior taxa vacinal nas mulheres o que pode ficar a dever-se a uma maior afluência ao Centro de Saúde - traduz-se em mais oportunidades de vacinação; Os receios das complicações de doenças (Síndrome da Rubéola Congénita) / malformações no feto podem também ter sido determinantes no ocorrido;

Ainda, e apesar de haver alguma flutuação nas taxas de cobertura de cada unidade em cada coorte analisada, verifica-se uma linha orientadora em todas em termos de valores;

No entanto, existe uma grande percentagem da população que não foi vacinada e provavelmente não está imunizada para a doença, apesar de já termos atingido a imunidade de grupo há alguns anos - perigo de bolsas suscetíveis (pequenos grupos populacionais em que não existe ainda a imunidade de grupo)!

Existe, por isso, a necessidade de manter a vacinação de rotina no PNV, imunizar adultos suscetíveis, estimular a vacinação dos profissionais de saúde e dos viajantes para zonas endémicas; É necessário, por outro lado, melhorar a literacia em saúde da população e contribuir para que o utente faça uma escolha informada e baseada em evidência científica.

 

Uma breve reflexão

Recentemente temos assistido, por parte dos profissionais de saúde e dos encarregados de educação, uma atitude displicente e desacreditadora da utilidade e/ou eficácia das vacinas em geral. De facto, seja por motivos de ordem naturalista, religiosa/filosófica ou por falta de informação/"desinformação" (propaganda anti-vacinação, "mitos" - "o Sarampo não pode ser fatal") que circula hoje em dia tem havido, em vários países europeus uma baixa na cobertura vacinal de algumas zonas, propagação da infeção por casos importados e gastos em saúde mais avultados e desnecessários; A perceção do risco da população face a doenças com as quais já não tiveram contacto está alterada e cria a falsa sensação de que há um maior risco decorrente da administração das vacinas (reações adversas/complicações...) do que das doenças por elas prevenidas.

Em seguimento convém relembrar e/ou esclarecer certos "mitos" que por vezes imperam: raramente uma doença intercorrente pode ser causa da não inoculação da vacina; está provada não haver qualquer associação causal entre a vacina trivalente (VASPR) e casos de autismo; Também
não está provada a substituição da vacinação por medicamentos homeopáticos.

Todavia, no nosso país a ainda elevada confiança nos profissionais de saúde, especialmente Médicos (Medicina Geral e Familiar e Pediatria), faz manter em alta a aceitação do PNV.

Para finalizar, recentemente num cruzeiro no Mediterrâneo (22/02/2014) houve um surto de sarampo provavelmente despoletado por um elemento da tripulação, cuja metade era filipina - região do subtipo viral, genótipo B3. O que é interessante verificar nos dados dos casos confirmados é que se constatam 20 Italianos, 41 Finlandeses e dos 20 turistas Portugueses a bordo não houve nenhum infetado.


Gráfico 3: Relação entre baixa cobertura vacinal e aumento de casos  notificados de sarampo no Reino Unido


                                                                                                                                Gustavo Duarte ' Médico, Interno Complementar de Saúde Pública